Laudo Pericial

 

 


 

3.3 - Linhas de transmissão do Projeto de Interiorização da energia de Guri:
          Normalmente seguem dentro da área de servidão das rodovias estaduais RR-202, RR-171 e em trecho da rodovia federal BR-401.

4 -  Montagem do Cenário Final :

Para que o cenário apresentado venha a se concretizar teriam de ocorrer uma série de medidas legais para a consolidação do mosaico territorial da região, quais sejam:
4.1 – Tornar-se sem efeito a Portaria nº 820 de 11/12/88 devido a seus vícios, erros, omissões e irregularidades não compatíveis com a Legislação Federal pertinente que trata das demarcações de áreas indígenas, tal como foi amplamente analisado por este Grupo de Peritos.
4.2 – Reconhecer-se a validade dos laudos e delimitações das quatro áreas indígenas realizadas pela FUNAI através de Grupo Técnico instituído pelas Portarias 1845/E de 29/5/84, 1661/E de 06/7/84 e 1777/E de 04/10/84 em trabalho realizado pela antropóloga Maria Guiomar de Melo.  As áreas indígenas são:
            Xununu-e-etamú ....................................53.510 ha
            Surumu..................................................455.610 ha
            Raposa.................................................. 347.040 ha
            Maturuca-Serra do Sol.........................  721.690 ha
            Ficaram como áreas livres 100.950 ha
4.3 – Reconhecer-se a validade da Portaria n° 354 de 16/6/89 que demarcou a Área Indígena Ingarikó em 90.000 ha, área esta que seria sobreposta sobre as áreas identificadas Surumu e Maturuca-Serra do Sol em 1977, recomendando a sua homologação.
4.4 – Reconhecer-se a validade do Decreto Presidencial nº 97887 de 28/6/89 que criou o Parque Nacional do Monte Roraima, com uma área de 116.000 hectares, área esta que seria sobreposta sobre as áreas identificadas Surumu e Maturuca-Serra do Sol em 1977.
4.5 – Recomendar-se a demarcação das áreas indígenas Surumu, Maturuca-Serra do Sol, Xununu-e-etamú e Raposa, delimitadas em 1977, com as supressões territoriais constantes nos itens 4.3 e 4.4.
4.6 -  Reconhecer-se definitivamente a existência dos municípios de Pacaraima e Uiramutã demarcando-se seus perímetros de expansão urbana e dos seus distritos, quais sejam: Vila Pereira (Surumu), Vila Socó, Água Fria e Vila do Mutum.
4.7 – Estabelecimento de mecanismos compensatórios ou indenizatórios para proprietários agro-pecuários com títulos definitivos das terras ocupadas que se encontrem dentro das áreas indígenas.
4.8 – Transferência pela União da titularidade das terras não demarcadas para o Estado de Roraima para que aí se desenvolva projeto em parceria com o INCRA e EMBRAPA visando a implementação nos 100.950 hectares disponíveis de projetos comerciais de alta tecnologia de grãos irrigados, com transferência de royalties para as comunidades indígenas do Norte/Nordeste de Roraima.
4.9 – O uso da terra no Norte/Nordeste de Roraima a partir deste cenário proposto teria os seguintes usos e dimensões:

USOS DA TERRA

ÁREA EM HECTARES

%

Parque Nacional do Monte Roraima

116.000

6,7

Área Indígena Ingarikó

90.000

5,2

Área Indígena Surumu

379.610

21,8

Área Indígena Raposa

347.040

19,9

Área Indígena Maturuca-Serra do Sol

601.660

34,6

Área Indígena Xununu-e-etamú

53.510

3,0

Perímetro expansão urbana Uiramutã

20.000

1,2

Perímetro expansão urbana Normandia

40.500

2,3

Estrada e servidões de 100 m de largura

3.500

0,3

Terras não demarcadas devolutas

87.730

5,0

Total do Norte Nordeste de Roraima

1.739.550

100,0

         


4.2 QUESITOS DOS REQUERENTES

Os senhores SILVINO LOPES DA SILVA E ALCIDES DA CONCEIÇÃO LIMA FILHO apresentaram os seguintes quesitos:

QUESTÃO 1:

As áreas Raposa e Serra do Sol constituem uma única gleba?

Resposta 1
Não, quando se analisa do ponto de vista estritamente fisiográfico, baseado em princípios geográficos definidos em geossistemas (individualização de Bacias ou sub-bacias Hidrográficas, províncias de relevo, solos, vegetação ou geologia), não há um continun espacial na área em questão, qual seja a TI Raposa-Serra do Sol conforme a Portaria Ministerial 820 - DOU de 14/12/1998. A área como um todo é constituída de um mosaico complexo de relevos altamente diversificados e paisagens peculiares e distintas, fugindo radicalmente do padrão amazônico tradicional.   Nela, há diversos sub-ambientes de solos e vegetações considerados atípicos para os padrões Amazônicos, com a existência de zonas baixas de cerrados e cerrados acaatingados, com acentuado déficit hídrico e ambiente transicional para semi-árido (vide Schaefer, 1997), lado a lado com áreas montanhosas úmidas, recobertas de florestas. Essa heterogeneidade ambiental se reflete em áreas de boa capacidade de suporte ao lado de áreas sem qualquer vocação agropastoril.

QUESTÃO 2:
Que aspecto técnico-científico caracterizaria a área da Raposa e Serra do Sol como gleba única?

RESPOSTA

Em continuidade ao exposto no quesito anterior, considerando a grande heterogeneidade geográfica e cultural do Nordeste de Roraima e as áreas separadas por grandes distâncias, nenhum aspecto fisiográfico ou humano justifica uma  continuidade  espacial  no  Norte/Nordeste  de  Roraima  como terra indígena contínua de larga extensão, reunindo as áreas Raposa e Serra do Sol. Os padrões de agricultura e subsistência dos Ingarikó da Serra do Sol, por exemplo, são inteiramente distintos dos Macuxis no baixo Cotingo/Surumu. E estes ainda diferem dos Macuxis integrados da área do Flechal, que cultivam apenas solos ricos da área montanhosa intermediária.

Entendendo-se como gleba uma porção delimitada de um grande espaço genérico, que pode conter em seu interior tanto terras ligadas ao conceito de produção do território como também por territórios antropizados.  O território geográfico antrópico é constituído pelas conseqüências de ações concretas e reais implementadas pelos seres humanos em uma determinada unidade espacial da superfície do planeta, inserida em um espaço geográfico aleatoriamente e virtualmente criado pelas idéias.

Quando levamos em consideração que para a existência de uma terra indígena devem ser obedecidos os critérios de contato e identidade étnica, além dos aspectos de construção da terra, torna-se mais difícil considerar a Área Indígena Demarcada Raposa Serra do Sol como um único e contínuo território indígena.

QUESTÃO 3:
Existe alguma espécie de vínculo a ligar as áreas Raposa e Serra do Sol, já que geograficamente são separadas por centenas de quilômetros?

RESPOSTA 3

Como espaços territoriais per se, são inteiramente independentes. O vínculo existente entre as áreas Raposa-Serra do Sol é no aspecto da integração social entre os diversos atores (índios e não índios) presentes no Norte/Nordeste de Roraima. Apesar do isolamento geográfico das partes montanhosas de Roraima, tal como temos na área da Serra do Sol, reconhecido por diversos exploradores desde o século XVIII (e.g. Schomburgk, 1848; Waterton, 1839; Ribeiro de Sampaio, 1775; Lobo D`almada, 1787), a região sempre representou um corredor de passagem de grupos migratórios no sentido Orenoco/Mazaruni/Essequibo/Rio Branco. A fixação na área montanhosa, neste caso, foi e ainda é, limitada ou dificultada pela extrema pobreza do solo desenvolvidos de arenitos do Grupo Roraima (Schaefer, 1991; Schaefer, 1997), que não permitiam e não permitem uma exploração sustentável dos recursos – a não ser pela garimpagem de ouro e diamantes, ou a pecuária extensiva nas áreas de rochas vulcânicas. A totalidade das malocas Ingarikó e Taurepang estão associadas às poucas manchas de solos férteis, desenvolvidos de rochas vulcânicas básicas ou em áreas outrora florestais (Suíte Avanavero), como destaca Schaefer (1994 e 1997). Tal pobreza, e a falta de caças e alimentos, foram destacadas por Schomburgk em 1848, em sua jornada de explorador através do Alto Cotingo/Alto Maú. Recentemente, duas teses de doutorado de professores da UFRR (José Frutuoso do Vale Jr., 1999; Valdinar Melo, 2003) realizados na UFV, destacam com dados atuais as severas limitações de solos e a degradação sob agricultura de subsistência com uso do fogo, na região em questão, mesmo em áreas de floresta primária.

QUESTÃO 4:
Na hipótese de ser positiva a questão 1, como se justifica o fato da área Raposa ser constituída de cerrados e savanas e localizar-se ao sul, enquanto a área Serra do Sol constitui-se de serras, entrecortada por rios, entre eles o Alto Cotingo e ficar acima da Serra Verde, além de ser habitada tão somente pelos índios da tribo Ingaricó?

Resposta
Sem efeito e impertinente

QUESTÃO 5:
Do ponto de vista antropológico qual seria o prejuízo da demarcação em ilhas, considerando que na área Raposa os índios são plenamente integrados em número significativo aos não índios (fazendeiros, agricultores e outros ocupantes)?

Resposta
A questão deveria ser colocada de forma diferente. A demarcação para a posse territorial do espaço de 1,7 milhão de ha pelas comunidades indígenas, excluindo-se os atores sociais com quem evoluíram em conjunto, esbarra no fato histórico de sua permanente associação com colonos brasileiros. Reconhecer o fato de que essas comunidades (indígenas e colonos) evoluíram em conjunto, deve ser uma premissa a ser levada em conta em qualquer decisão soberana do Estado. Todos os fatos históricos, inclusive destacados por Joaquim Nabuco na erudita memória sobre o Direito do Brasil sobre o Alto Rio Branco (apud Question de limites ...., 1903; NABUCO, 1941), evidenciam uma longa e profunda inter-relação entre os povos autóctones e os migrantes cuja dissociabilidade não parece justificável nem racional, apesar dos muitos reveses que os grupos indígenas possam ter sofrido após o contato.

QUESTÃO 6:
Considerando que existem 09 (nove) adensamentos com 91 (noventa e uma) malocas, totalizando uma população por volta de 10.500 (dez mil e quinhentas) pessoas, sendo Ingarikó, Saraó, Vale do Rio Quinô, Carapur-Canaã, Maturuca, Raposa-Surumu, Cutia, Xuriunuatemu, Cedro, Patativa e que vivem salutarmente integrados com os não índios até os dias de hoje. Pergunta-se: uma área de 450.000 hectares é suficiente para uma população de 10.500 pessoas?

Resposta 6 
A área de 450.000 ha em questão precisa ser contextualizada. Que área seria essa? Em blocos conforme a proposta do Estado de Roraima, ou contínua?
Pode-se questionar o aspecto “salutarmente” integrados, já que existem alguns grupos em estado de não integração total ou parcial com os não índios e até entre outras etnias na TI em questão (caso dos Ingarikós).

Apenas como exercício, os 450.000 ha podem representar área mais que suficiente para garantir a subsistência material e cultural dos povos indígenas aí residentes, devem ser realizados levantamentos detalhados dos recursos de solos e etnobotânicos do entorno de cada adensamento, em escala adequada (1:20.000 ou mais detalhada), de modo a avaliar tecnicamente a capacidade de suporte da subsistência e extrativismo dos entornos e a população sedentarizada ideal para cada caso, nos moldes vigentes.

Em tese, uma área de 450.000 ha para o equivalente a 12.874 índios se traduziria numa relação de aproximadamente 34,9 ha por habitante, suficiente para grupos sedentarizados. Considerando que cerca de 70-75% da área do NE de Roraima possui solos não aptos à exploração agrícola itinerante (Schaefer, 1994; Furley, 1994), teríamos então cerca de 100.000 ha de terras efetivamente aptas (em maior ou menor grau) ao cultivo. Considerando os períodos de pousios típicos adotados na região, de cerca de 10-15 anos de abandono para 2 anos de cultivo, poder-se-ia estimar uma área de aproximadamente 5.000 – 10.000 ha, que seria suficiente para prover a subsistência da população total da região, mediante técnicas rudimentares de cultivo. Grande parte dos restantes 350.000 ha de áreas de relevo muito desfavorável, poderia ser utilizada para pastoreio extensivo e extrativismo vegetal, nos moldes existentes há mais de 250 anos na região. O sistema de pastejo poderia ser melhorado com técnicas da EMBRAPA, aplicáveis ao manejo pastoril no lavrado, com pequenas adubações fosfatadas, que se traduzem em enormes ganhos de biomassa verde.

A vida social das comunidades indígenas hoje existentes no Norte/Nordeste de Roraima é indissociável da estrutura social-econômica trazida pelos colonos brasileiros de origens diversas que desde meados do século XVIII, e mesmo na vizinha Guyana (Hills, 1961) implantaram a cultura do gado na área de Savanas e Campos de Roraima. Os índios da região, há muito sedentarizados, não dependem de grande mobilidade ou nomadismo para obter os recursos de que necessitam, tendo em vista que cultivam preferencialmente áreas de solos melhores e com mais sustentabilidade, inclusive causando degradação dos mesmos pelo sedentarismo. Além disso, recebem um razoável suporte de ONGs nacionais e estrangeiras, igrejas, e órgãos oficiais, como a FUNAI.

Aproximadamente 70% da área demarcada não se prestam ao cultivo, seja por serem solos desenvolvidos de arenitos muito pobres ou pelo relevo montanhoso, no caso das rochas vulcânicas do Grupo Surumú (apud SCHAEFER, 1997). São áreas de grande biodiversidade e endemismo, que caracterizam fortemente unidades de conservação de caráter permanente, como o Parque Nacional do Monte Roraima.
           
Uma projeção exagerada e sem justificativas técnicas foi realizada por técnicos da FUNAI no Parecer FUNAI 36/DID/DAF de 12/4/93, onde se recomendava como distância mínima entre duas malocas de 10 a 30 quilômetros visando à preservação dos recursos naturais. Se adotarmos o máximo de 30 quilômetros de distância entre duas malocas, teremos para cada maloca aproximadamente 900 quilômetros quadrados. Se multiplicarmos esta área para as 90 malocas existentes na região em 1996, teríamos um valor de 81.000 quilômetros quadrados ou 810.000 ha, na época 48% da área pretendida.  Vamos ter hoje um impressionante crescimento nos últimos sete (7) anos no número de  malocas na Área Indígena demarcada Raposa Serra do Sol passando para 198 (segundo a Secretaria de Estado do Governo de Roraima, 2004),  onde então aí teremos fazendo novamente os cálculos uma área total de 126.000 quilômetros quadrados ou 1.260.000 ha, ou seja 75% da área demarcada .

Outra projeção foi utilizada por Agostinho (1996) com relação ao rebanho bovino das comunidades indígenas existentes no Norte/Nordeste de Roraima, utilizando-se a estimativa de capacidade de suporte na área de 6 a 10 hectares por cabeça de gado. Adotando-se o valor estimado pelo CIR (Waldir Tobias, 1993) que as comunidades indígenas na área possuíam cerca de 22.000 cabeças, chegou-se a uma demanda de área física que variava de 132.000 ha a 220.000 ha ou a necessidade variando de 7,8% a 13% da área total demarcada. Se aplicarmos hoje este exercício, apesar dos dados conflitantes, a estimativa é de menos de 15.000 cabeças de gado nas comunidades indígenas na Área Indígena demarcada Raposa Serra do Sol, o que reduz as necessidades de áreas para pasto de 5,4% a 8,9% da área contínua demarcada.

QUESTÃO 7:
 Na hipótese de resposta negativa ao item 6, qual seria a justificativa técnica, considerando os mecanismos existentes para se avaliar tais situações?
    
Resposta  7
Apesar de considerar-se a área suficiente, é preciso esclarecer, como aludido no quesito 6,  que o princípio técnico que deve nortear tal avaliação, de forma objetiva, é a definição da real capacidade de suporte para o padrão cultural de subsistência das comunidades aldeadas que poderia indicar com boa precisão a área necessária ao somatório de 15.926 índios atualmente existentes na região (segundo a Secretaria de Estado do Índio de Roraima, 2004), integrados ou não.

Em verdade, a área efetivamente explorada pela subsistência e extrativismo vegetal ou animal, no conjunto da Terra Indígena contínua reclamada de cerca de 1,7 milhão de ha, seria provavelmente bem inferior, já que grande parte de área montanhosa do Alto Maú, Alto Cotingo, Surumu e serras mais elevadas, não se prestam nem à atividade de subsistência nem ao extrativismo, embora sejam regiões de reconhecida riqueza mineral (documentos de CPRM, 1990 e RADAMBRASIL, 1976), potencialmente geradoras de energia hidráulica, especialmente no alto Maú, Uailã e Cotingo, além do turismo ecológico cênico.

QUESTÃO 8:

Na hipótese de resposta negativa ao item 6, quais seriam concretamente, os elementos negativos do ponto de vista sociológico e/ou antropológico e qual o índice de ocorrência desses elementos na região que os leva a considerar uma área de 450.000 hectares insuficiente para uma população de 10.5500 índios?

RESPOSTA 8

QUESTÃO IMPERTINENTE

QUESTÃO 9:

A demarcação em área contínua não geraria um maior isolamento dos índios, já que o contato entre os dois povos foi constante não só com os regionais mas também com os órgãos tutelares e assistenciais?

RESPOSTA 9
Se considerarmos que essa demarcação redundaria em exclusão permanente das comunidades tradicionais não-índias aí instaladas, sim. A demarcação contínua de 1,7 milhão de ha pretendida poderá desencadear processo cultural e político de retorno e fortalecimento dos princípios étnicos que por sua vez poderá levar a um movimento nacionalista transfronteiriço, visto a aproximação étnica entre as comunidades caribe e Uapixana residentes em zonas contíguas do Brasil, Guyana e Venezuela.


QUESTÃO 10:
O isolamento gerado pela demarcação em área contínua não inviabiliza a integração no processo de desenvolvimento, eis que aos índios é garantido o pleno exercício dos direitos civis e políticos?

RESPOSTA 10
Poderá trazer prejuízos ao processo de desenvolvimento econômico dessas comunidades. Além da privação aos serviços a que todos os cidadãos brasileiros têm direito. Por outro lado, a não homologação de seus territórios, de uma forma judiciosa, causa apreensão legítima em parte da população indígena, que necessita do reconhecimento das terras que lhes permitam a subsistência, contatos sociais e comunitários e o acesso democrático e integrado aos serviços públicos nas sedes municipais existentes.

QUESTÃO 11:
Quais os aspectos negativos gerados pelo isolamento em face da demarcação da área contínua e o exclusivo contato com órgãos tutelares e assistenciais como a Funai, a Igreja e outros que sabidamente não atendem a demanda de suas necessidades?

RESPOSTA 11

Independente do que já foi respondido nos vários quesitos anteriores (9 e 10) pode-se tentar estabelecer um cenário com as seguintes conseqüências:

QUESTÃO 12:
Quais os aspectos positivos de uma maior integração de índios com não índios , aproveitando funções essenciais do Estado enquanto Unidade Federada, tais como saúde, educação, agricultura, pecuária, comunicação e outros?

RESPOSTA 12
É função do Estado prover as funções essenciais ao bem estar das comunidades tradicionais, bem como garantir o livre acesso aos serviços em todo o território brasileiro. Assim, é certamente benéfico aos índios a presença do Estado de forma a permitir acesso a facilidades de transporte, saúde, educação, além daquelas oferecidas pelo órgão tutelar. Porém, como determina a Constituição Federal, é indispensável a presença dos atores estatais encarregados da defesa nacional (Forças Armadas), prevenção de ilícitos e serviços de inteligência (Polícia Federal), e da fiscalização de unidades ambientais de conservação (IBAMA).

            No processo histórico do contato e assimilação cultural, as comunidades indígenas certamente sofreram prejuízos de difícil reparação, mas com a devida aplicação das leis e respeitando os direitos fundamentais de preservação de sua cultura e suas relações sociais em sentido mais amplo, poder-se-ia aperfeiçoar e incentivar sua inserção positiva na sociedade.

QUESTÃO 13:
O isolamento gerado pela demarcação em área contínua e o contato isolado apenas com órgãos tutelares e assistenciais não trazem entraves a operacionalização dessas funções do Estado em relação aos índios?

RESPOSTA 13 

A demarcação de área contínua proposta está localizada em uma zona fronteiriça tridimensional, cujo maior agravante é o litígio territorial, ou seja, a reivindicação pela Venezuela de uma área correspondente a 1/3 do Território da Guyana. Merece atenção a aproximação étnica dos grupos que ocupam essa zona. A melhor prevenção é o reforço estatal, seja através de uma maior oferta de serviços públicos, ou pela presença constante e efetiva das Forças Armadas.

QUESTÃO 14:
A exclusividade de atuação das diversas igrejas no seio das comunidades indígenas não gera uma desagregação social com a imposição de uma religião exógena às suas crenças? Não é uma verdadeira violência a sua cultura e tradições? A integração dos índios sem aquele isolamento, deixando-os vir à civilização, com livre escolha não seria um posicionamento de caráter mais positivo?

 
RESPOSTA 14 
 

A livre escolha é um princípio democrático que só tende a favorecer os grupos organizados de comunidades tradicionais, índias ou não. É um legítimo direito das comunidades zelar pelo seu bem estar e sua cultura, mas é obrigação do Estado a presença e o oferecimento de serviços essenciais ao seu desenvolvimento.

QUESTÃO 15:

Considerando que os índios da área em questão a muito vêm tão somente dedicando-se à pecuária e à prática da agricultura de subsistência, seu isolamento em face da demarcação em área contínua não traz prejuízos a essas populações, haja vista a necessidade de um correto manejo dos recursos naturais, de forma a evitar a escassez, tendo em vista que essas técnicas não são implementadas satisfatoriamente pela Funai? Com uma maior integração, não seria o Estado a suprir esta necessidade?

RESPOSTA
Possivelmente traria prejuízos. O órgão tutelar (FUNAI) atualmente não possui mecanismos de transferência (extensão) de técnicas de baixo impacto adaptada aos agricultores itinerantes tradicionais. Tal fato ficou bem evidente à luz na experiência dos estudos científicos dos padrões de agricultura cabocla e indígena em Roraima (apud Schaefer, 1991 e 1997).  O Estado, por meio de suas instituições (EMBRAPA, UFRR, Secretaria de Agricultura do Estado, etc) possui a obrigação de fomentar e disseminar práticas ecológicas que preservem o bem estar das comunidades, tornando-as auto-sustentáveis dentro dos limites de suporte ambiental oferecidos.

 


4.3 QUESITOS DA UNIÃO

A União e a Fundação Nacional do Índio, representadas pelo Procurador-Chefe da Procuradoria da Advocacia Geral da União no Estado de Roraima, apresentaram os seguintes quesitos:

 QUESTÃO 01:

Mesmo nas terras que separam as glebas “Raposa” e “Serra do Sol”, não existem sinais claros da presença de povos de alguma etnia, como Macuxi, Wapixana, Taurepang, Ingarikó, Patamona, Jarikuna?

RESPOSTA

            A forma em que a questão foi formulada induz a existência de duas porções de terras indígenas distintas (Raposa e Serra do Sol) com uma área de separação entre elas. A Comissão de Peritos não tem conhecimento de algum laudo antropológico que fizesse esse tipo de separação.

 QUESTÃO 02:

De quando datam as lutas dos índios Macuxi, Wapixana, Taurepang, Ingarikó, Patamona, Jarikuna, pela demarcação das TI “Raposa” e “Serra do Sol”?

RESPOSTA
            Entendendo como “lutas” as diversas reivindicações indígenas por meio de reuniões, assembléias de Tuxauas, de “abaixo-assinados”, ou outros tipos de solicitações ou reclamações, demonstrando a pretensão de posse de área indígena, pode-se dizer que datam de 1971, quando foi realizada a primeira Assembléia de Tuxauas, na Missão Surumú. Em 1977, os Tuxauas das Malocas Raposa, Napoleão, Guariba, Xumina (Canavial), Aratanha e Cajueirinho propõem a demarcação de terras indígenas perfazendo um total de 578.918 ha (fls. 003-008; Proc. FUNAI BSB 3233/77).

QUESTÃO 03:

A elevação dos vilarejos de Pacaraima e Uiramutã à condição de sedes municipais, em 1995, não contribuiu para turbação da posse dos índios?

RESPOSTA
Centros populacionais consolidados inseridos na área, como as Vilas de Uiramutã, Surumú, Mutum, Socó e Água Fria, são partes indissociáveis do contexto dinâmico da ocupação humana do Norte/Nordeste de Roraima, e sob nenhum aspecto podem ser interpretados como turbação da posse indígena. No que concerne à Vila de Uiramutã, o Estado de Roraima editou, em 17 de outubro de 1995, a Lei nº 98 pela qual criou o município do mesmo nome, desmembrado do município de Normandia, e instituiu, como sua sede, a Vila de Uiramutã.

O Supremo Tribunal Federal, em acórdão unânime do qual foi relator o Ministro Maurício Corrêa, datado de 07 de novembro de 1996, ressaltou a “crucial realidade” consistente na existência de populações, “mescladas de brancos e índios”, nas terras em questão, constituindo, inclusive, vilas, o que está a exigir cautela e prudência da autoridade administrativa para viabilizar a conciliação dos interesses concorrentes que, por ambos os lados, se revestem de matiz público.

Destacou o Supremo Tribunal a solução dada à Normandia, cuja sede municipal foi resguardada, embora incrustada na área em delimitação, que “a prudência deve ter orientado para que, embora ali instalado esse município, se lhe desse traçado de jurisdição territorial, de tal sorte que os seus limites ficassem fora da região dos índios, o que indica ao administrador federal que possa seguir-se pelo seu próprio parâmetro”.

Segue ainda o Ministro Maurício Corrêa:
“… a espécie está a exigir do Governo Federal, na implementação da política de reconhecimento das áreas tradicionalmente habitadas por índios, e in casu, se forem elas por fim legitimadas, providências acautelatórias, para que, a par de oficiar essa homologação não fira direitos que imponham sejam protegidos na aplicação da justiça administrativa, para que não se deixe ao oblívio e ao relento os chamados civilizados que possam se encontrar no pleno direito, uso e gozo dessas propriedades que lá possuem, e que herdaram muitos deles, de seus pais, avós e tataravós.”

QUESTÃO 04:

Os rizicultores instalados dentro dos limites demarcados da TI Raposa e Serra do Sol, possuem registros sobre os respectivos imóveis ? Caso afirmativo,
4.1 são registros de propriedade ou simples posse ?
4.2 em qual cartório estão lançados esses registros ?
4.3 De quando datam (ancianidade) ?

RESPOSTA

            A Comissão de Peritos teve acesso aos processos de contestação à demarcação feita pela Portaria 820/98. Nesses processos são apresentados os documentos que indicam as posses e registros de várias propriedades, sem indicação se pertencem a rizicultores ou não. No anexo 11, é apresentada a relação de todas as posses declaradas nesses processos.  

Questão 05

Os rizicultores não índios instalados nas terras TI “Raposa”e “Serra do Sol”, não têm causado impactos ambientais em razão da utilização de produtos químicos, fertilizantes, resíduos tóxicos, etc. ?

RESPOSTA
Esta indagação deveria ser dirigida aos órgãos públicos fiscalizadores, tais como IBAMA e a Fundação Estadual do Meio Ambiente, que são responsáveis pelo licenciamento ambiental de atividades potencialmente poluidoras.

Questão 06
O governo estadual tem subsidiado a produção agrícola de empresas controladas por não índios, nas TI Indígena Raposa e Serra do Sol ? Em caso afirmativo,
6.1 em que consistem esses subsídios ?
6.2 de quando datam os primeiros incentivos ?

RESPOSTA
           
            De acordo com informações do Departamento do Agronegócio da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico do Estado de Roraima (anexo 06), os rizicultores da região Raposa Serra do Sol não recebem subsídios do governo estadual. Na verdade,
“...
- Somente 5% do capital na produção de arroz é financiado em bancos, 95% são recursos próprios;
- Nos últimos seis anos, as estradas e pontes das Rodovias RR 2002 e RR 319 estão sendo mantidas em condições de uso pelos produtores de arroz;...”

Questão 07

Os investimentos do Estado de Roraima nas TI Raposa e Serra do Sol, têm sido concedidos equanimente entre aqueles que são favoráveis  à demarcação contínua e os que a ela se opõem ?
7.1 de quando datam os primeiros investimentos do governo ?

RESPOSTA

            Não vemos a pertinência desse quesito para a questão da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Dados a esse respeito poderiam ser coligidos diretamente junto ao Governo do Estado de Roraima.

Questão 08
Qual a relação do custo financeiro entre os subsídios públicos destinados a esses empreendimentos com o número de empregos gerados ?

RESPOSTA

            Quesito prejudicado, em função da resposta ao quesito 06.

Questão 09
As relações trabalhistas dos empresários rizicultores e seus trabalhadores estão regularizadas junto ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social ?

RESPOSTA
           
            Os Ministérios do Trabalho e do Emprego e da Previdência Social, responsáveis pela fiscalização do cumprimento dos dispositivos legais das relações trabalhistas seriam os órgãos mais apropriados para responder tal quesito.

Questão 10
Os índios habitantes da TI Raposa e Serra do Sol desenvolvem atividades econômicas ? Em caso afirmativo,
10.1 quais as atividades ?

RESPOSTA

            Sim, se considerarmos como atividades econômicas as relativas à garantia da subsistência e do escambo e às atividades de guias turísticos regionais. Algumas comunidades comercializam informalmente alguns produtos para aquisição de outros bens e serviços não disponíveis em suas áreas. Como exemplos, temos o feijão da Maloca Flechal, o ouro e diamantes das Malocas dos Vales dos Rios Quinô e Maú.

Questão 11
A edição da Portaria – MJ – 820/98, impediu, na prática, o direito de ir e vir de não índios que habitam as TI Raposa e Serra do Sol ?

RESPOSTA
Em alguns casos, sim. Pode-se citar, por exemplo, a barreira do Contão. Ademais, de acordo com as informações prestadas pela Superintendência Regional em Roraima da Polícia Federal (em anexo):
“... depreende-se que as mesmas (peças de investigação) foram instauradas com o escopo de averiguar eventual impedimento à livre locomoção de cidadãos brasileiros dentro da TI Raposa Serra do Sol após a edição da Portaria MJ 820/98”.

São citados os seguintes inquéritos policiais de números: 29/99; 34/99; 40/99; 29/2000; 179/2001; 227/2001; 12/2002; 200/2003; 07/2004; e 51/2004.

Questão 12
Existem casos comprovados de conflitos entre índios e não índios decorrentes da posse da TI Raposa e Serra do Sol, anteriores à publicação da Portaria 820/98 ?

RESPOSTA

Sim. De acordo com as informações prestadas pela Superintendência Regional em Roraima da Polícia Federal (anexo 06) foram instaurados diversos inquéritos policiais para apurar conflitos entre índios e não índios na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, “havendo, também, registros de incitação à prática de discriminação e racismo contra as comunidades silvícolas na sobredita terra indígena, bem como de índios contra não índios”.
           
São citados os seguintes procedimentos apuratórios: Inquéritos policiais números: 04, 44, 48, 49, 54, 57, 59, 60, 88, 98, 99, 108, 137, todos de 1994; 14, 40, 60, 71, de 1995; 07, 18, 53, 74, 75, 80, de 1996; 19, 23, 30, 91, 97, 101, 107, 111, 114, 181, 203, de 1997; e 13, 21, 34, 44, 79, 83, e 85, de 1998.

Questão 13
A demarcação da TI Raposa e Serra do Sol, impediu que as comunidades indígenas que nela habitam estabelecessem relações comerciais com os não-índios ?

RESPOSTA

            De uma forma geral, não. Mas, com a possibilidade de homologação da Portaria 820/98, essas relações comerciais poderão ser comprometidas.

Questão 14
Existem registros de incitação à prática de discriminação e racismo contra as comunidades indígenas na TI Raposa e Serra do Sol ?

RESPOSTA

            De acordo com as informações prestadas pela Superintendência Regional em Roraima da Polícia Federal (anexo 06), “... havendo, também, registros de incitação à prática de discriminação e racismo contra as comunidades silvícolas na sobredita terra indígena, bem como de índios contra não índios”.

Questão 15
Existem alguma relação entre associações indígenas contrárias à Portaria 820/98, com políticos do Estado de Roraima ?
15.1caso afirmativo, quais associações ?
15.2 essas associações teriam surgido antes ou depois dos estudos de identificação e delimitação das TI Raposa e Serra do Sol ?

RESPOSTA

De acordo com as informações prestadas pela Superintendência Regional em Roraima da Polícia Federal (anexo 06):
“... registros de indícios de relação entre a Associação dos Arrozeiros de Roraima e a Sociedade dos Índios Unidos de Roraima – SODIUR, com políticos do Estado de Roraima. Há registros do envolvimento do Vice-Prefeito de Pacaraima, Sr. Francisco Roberto do Nascimento e do rizicultor Paulo Cezar Justo Quartiero, os quais estão sendo investigados no inquérito policial n° 007/2004, instaurado com o fito de apurar a invasão da Missão Indígena do Surumu e o seqüestro de três missionários. Tal conduta criminosa culminou no bloqueio de todas as rodovias federais de acesso ao estado, invasão da sede da Funai e fechamento da sede do Incra.”

 

 

Voltar ao sumário | Voltar ao topo