3.8.
A Problemática Atual da Área
3.8.1.
Histórico
Somente
a partir de 1977 que a FUNAI começou a se preocupar com as terras indígenas
do Norte/Nordeste de Roraima. No relatório sobre a problemática indígena
de Roraima realizado pela SUDAM-DRN em outubro/91 é mostrado o seguinte
resumo da ação da FUNAI nesta região: (os grifos são do autor)
"Os
problemas dessa área podem ser extraídos e resumidos a partir do PARECER
Nº 220/89-GT INTERMINISTERIAL DEC. 94.945/87 datado de 24/05/89, o qual
relata as preocupações da burocracia governamental quanto a área em questão,
e, por fim, acaba por subsidiar a definição de uma parte da gleba Raposa/Serra
do Sol para os índios Ingarikó:
- Em
07/03/77 o Delegado da 10ª DR, através do oficio nº 078/77, transmitia
à FUNAI em Brasília o resultado de uma reunião de "Tuxauas"
no PostoI ndígena da Raposa, quando aquelas lideranças fizeram propostas
para áreas envolvendo numerosas malocas. No citado ofício, o delegado
dizia que, após discussões de praxe, haveria advertido os índios que
"uma área desmesurada seria indeferida" dado o
grande adensamento populacional (de índios e não índios) nas terras
da Raposa/Serra do Sol;
- Alguns
dias após, em 17/03/77, o Diretor Substituto do DGO, em despacho ao
Superintendente da FUNAI, dizia: "(... ) informo que as numerosas
aldeias espalhadas por todo o território de Roraima desaconselham
a nosso ver a criação de reservas indígenas que os englobem, pois
seria assim abarcada quase toda aquela Unidade Federada (Processo
FUNAI/BSB/3233/77, p. 05);"
- A
21/10/77 a FUNAI, através da Portaria nº 55O/P compõe um grupo técnico
para identificar/delimitar as área indígenas em Roraima, incluindo
Raposa/Serra do Sol,. Como resultado, esta última apresentou uma
superfície de 1.3473810 ha, com perímetro de 750 km, área única englobando
aproximadamente 60 malocas Macuxi, Wapixana e Ingarikó, totalizando
8.500 índios;
- Em
03/06/80 o Diretor do DGPI, através do Rádio nº 52, comunicava à 10ª
DR que no próximo exercício seria demarcada a Área Indígena Raposa/Serra
do Sol;
- Passado
o tempo, em 1982, o então Delegado da 10ª DR propunha à Presidência
da FUNAI a criação de uma colônia em Raposa/Serra do Sol, e assim
justificava sua proposta: "Pela situação da área identificada
Raposa/Serra do Sol, qualquer estudo no sentido de separar área de
maloca de área de posse (de não índios) não chegará a uma definição
satisfatória para ambas as partes e o tempo que se levará nesse estudo
ampliará problemas de ordem social e fundiária na região, onde se
chegará ao nosso pensamento quanto a criação da colônia"
(Processo FUNAI/ BSB/ Informação nº 090/DID/DGPI/83).
- Ainda
em 1.982, o Assessor Walter Mendes. em informação sobre as terras
indígenas de Roraima, concebia: "Quanto à área Raposa/Serra
do Sol, a situação é semelhante (à gleba São Marcos), diferindo apenas
por não estar demarcada e dificilmente poderá ser realizada a demarcação,
considerada a situação das posses de índios e não índios da região."
Diante
das dificuldades defrontadas pela FUNAI, para o equacionamento das terras
indígenas nessa gleba, principalmente a nível da 10ª DR foi criado um
Grupo de Trabalho para identificação da Raposa/Serra do Sol através das
Portarias nº 1845/E de 29/05/84 e nº' 166l/E de 06/07/84 e d 1777/E de
04/10/84, cujo relatório conclui que: "Pelo levantamento foi
identificada uma área indígena de aproximadamente 53.510 ha; Surumú com
455.610 ha; Raposa com 347.040 ha e Maturuca/Serra do Sol com aproximadamente
721.690 ha. Ao longo do tempo e sem nenhuma providência tomada pela FUNAI
quanto a demarcação da gleba Raposa/Serra do Sol, eis que se insurge uma
nova proposta, desta feita em benefício somente do grupo Ingarikó: em
25/03/88 a FUNAI por força da Portaria nº 0347/88 designa um Grupo de
Trabalho para proceder estudos fundiários com vistas à demarcação e à
definição das atividades a serem implementadas pelo Projeto Calha Norte
na região da Raposa/Serra do Sol. Logo após conclui o governo que os índios
Ingarikó desejavam uma área contínua, somente por eles habitada, sem qualquer
vinculação com possíveis terras do Macuxi e Wapixana, isto é, somente
as terras ocupadas por aquele grupo indígena independente.
Desta
feita, a sugestão dos Ingarikó foi respeitada pois sua área de ocupação
não incide problemas de invasão e/ou conflitos de posseiros não índios.
Os limites propostos pelos indígenas em reunião de 21/04/89 foram os seguintes:
Norte:
Rio Cotingo, trecho Leste/Oeste
Sul:
Igarapé Cumaipá
Leste:
Igarapé Pipi
Oeste:
Sopé da Serra do Sol.
Em
15 de junho de 1989 através da Portaria interministerial nº 154 de 11/06/89,
é declarada como posse permanente indígena, para efeito de demarcação,
a Terra Indígena Ingarikó, com uma superfície aproximada de 90.000 ha
e perímetro também aproximado de 150 km, onde, à época, habitavam 624
índios do grupo".
-
- Nos
anos de 1.979, 1.984 e 1.988 foram estabelecidos novos grupos de trabalho
visando a delimitação de áreas indígenas no Norte/Nordeste de Roraima.
No grupo de 1.979 foi apresentada uma proposta com uma área de aproximadamente
1.300.000 ha, já o grupo de 1.984 propôs 1.590.000 ha, dividido em quatro
áreas, quais sejam: Maturuca/Serra do Sol, Raposa, Surumú e Xununuetamú.
O grupo de 1.988 não apresentou proposta de área, mas sim na forma de
localizar as áreas indígenas na forma de ilhas. Em 1.989 a FUNAI promoveu
o reconhecimento da área Xununuetamú com 48.750 ha. A Portaria PP 3644
de 06/11/87 interditou a área. Em 16/06/89 um grupo interministerial
declarou através da Portaria 354 a área Ingarikó para fins de demarcação
com uma área de 90.000 ha.
-
- Em
1992 através das Portarias 1141/92, 1285/92 e 1553/92 foi designado
grupo técnico visando a identificação de área que abarcava praticamente
todo Norte/Nordeste de Roraima num total de aproximadamente I.678.800
ha, tomando a denominação de área indígena Raposa/Serra do Sol.
-
- Em
18/05/93 é encaminhado pelo Presidente da FUNAI Parecer 056/DID/DAF/93
ao Ministro da Justiça, onde aprova a delimitação da área e solicita
aprovação para a portaria declaratória de posse indígena".
-
- A
tabela 32 nos mostra as diversas proposições de demarcação de áreas
indígenas pela FUNAI na região Norte/Nordeste de Roraima.
-
- As
ilustrações 4 a 12 nos dão uma visão espacial das diversas tentativas
de demarcações indígenas no Norte/Nordeste de Roraima.
-
- TABELA
32 - Diversas Proposições de Demarcação de Áreas Indígenas no Norte/Nordeste
de Roraima
-
ÁREA
INDÍGENA
|
DATA
|
ÁREA
(ha)
|
Macuxi-Jaricuna |
1917
|
120.000
|
Raposa |
1984
|
347.040
|
Maturuca
Serra do Sol |
1984
|
721.690
|
Surumú |
1984
|
455.610
|
Ingarikó |
1985
|
90.000
|
Xununuetamú |
1987
|
53.510
|
Raposa/Serra
do Sol - Conselho |
1991
|
1.347.810
|
Raposa/Serra
do Sol |
1993
|
1.678.800
|
- [Organizado
por Jaime de Agostinho - 1996]
-
- FIGURA
4 - Proposta para demarcação de área indígena - Serviço de Proteção
aos Índios - Inspetoria do Amazonas e Acre, Lei 941 de 16/10/1916
- JAIME
DE AGOSTINHO - 1.996
-
-
-
- FIGURA
5 - Proposta de demarcação da área indígena
Raposa - FUNAI 1984
- JAIME
DE AGOSTINHO - 1.996
-
-
-
- FIGURA
6- Proposta de demarcação da área indígena
Maturuca/Serra do Sol - FUNAI - 1984
FIGURA
7- Proposta de demarcação da área indígena Surumú - FUNAI 1984
JAIME
DE AGOSTINHO - 1.996
FIGURA
8- Áreas remanescentes caso se concretizassem propostas de demarcação
pela
FUNAI em 1.984
JAIME
DE AGOSTINHO - 1.996
FIGURA
9 - Proposta de demarcação da área indígena Ingarikó pela FUNAI - 1.985
JAIME
DE AGOSTINHO - 1.996
FIGURA
10- Proposta para demarcação da área indígena Xununuetamú pela FUNAI -
1.987
FIGURA
11- Proposta de demarcação realizada pela reunião dos tuxauas no Surumú
em 1.991
JAIME
DE AGOSTINHO - 1.996
FIGURA
12- Proposta para demarcação da área indígena contínua Raposa/Serra do
Sol FUNAI 1.993
JAIME
DE AGOSTINHO - 1.996
3.8.2.
A Demarcação da Área Indígena Contínua Raposa Serra do Sol ( Parecer FUNAI
36/DID/DAF de 12/04/96)
Em
12 de abril de 1.993 a FUNAI emitiu o Parecer 36/DID/DAF onde identificava
a área indígena Raposa/Serra do Sol. Este parecer, independentemente que
constasse na sua equipe representante do Governo estadual que em momento
algum foi ouvido ou consultado sobre o parecer. Este parecer sofreu uma
enérgica contestação do Governo do Estado e dos diversos segmentos da
sociedade roraimense.
As
críticas foram inúmeras, das quais se destacavam:
- Uma
grande crítica realizada à FUNAI é relativa à sua imparcialidade na
montagem dos grupos de trabalho para delimitação das áreas indígenas
no Estado de Roraima, com uma participação altamente maciça de elementos
índios e não índios ligados direta ou indiretamente à Igreja Católica
- A
equipe técnica que executou o trabalho foi composta pela FUNAI com
os seguintes representantes que de acordo com suas origens nunca poderiam
realizar um trabalho isento e essencialmente técnico.
FUNAI
INCRA
SEMAIJUS/GERR
USP
CIMI
- ligado à igreja católica
Prelazia
de Roraima - igreja católica
CIR-
Conselho Indígena de Roraima - ligado à igreja católica
Líderes
indígenas indicados pelo CIR - ligados à igreja católica
- O
número de 85 aldeias existentes na área é bastante discutível, já
que os critérios para definir-se o que vem a ser uma aldeia, maloca,
vila indígena, residência unifamiliar indígena ainda estão por serem
feitos. Não pode se admitir classificar com o mesmo peso aldeias do
porte do Contão ou Raposa que possuem centenas de casas no
seus sítios, muitas de alvenaria; luz elétrica; iluminação pública;
aeroporto; televisão via parabólica; posto médico; escolas de 1º
e 2º graus; extensão de curso da Universidade Federal de
Roraima (Raposa); população acima de 500 pessoas por núcleo; comparando-se
e colocando-se no mesmo nível malocas como Mapaé no alto Rio Cotingo
com 2 casas e seis pessoas, ou a maloca do Limão com 8 pessoas
em 2 casas.
- 207
imóveis rurais em produção contrastam bastante com as 85 aldeias com
inúmeros problemas para a produção de bens de subsistência, situação
esta que tenderá a se complicar com uma possível retirada das fazendas
da área.
- Os
imóveis listados (207 ativos e 17 inativos) não foram localizados
em mapas, bem como não foi definida a sua situação fundiária.
- As
seis vilas residenciais existentes na região não foram devidamente
analisadas e consideradas como tal. Essas vilas não são currutelas
de garimpo como foi afirmado.
- A
descrição e a quantificação dos investimentos governamentais na área
foi simplesmente omitido.
- A
fundação da fazenda São Marcos pelo comandante do Forte São Joaquim,
em 1.775, por Sá Sarmento; da fazenda São José pelo comerciante José
Antonio Evora e a fazenda São Bento por Lobo D'Almada, não foram para
o Rei e sim empreendimentos particulares.
- Normalmente
as malocas dos indígenas estão situadas nos tesos, a população indígena
dificilmente procura as serras no inverno devido as altas precipitações
e torrentes d'água. As serras e os seus sopés são bastantes utilizados
no verão devido aos olhos d'água e nascentes, além do maior teor de
matéria orgânica e solos mais profundos. O ciclo proposto no laudo
da FUNAI não ocorre na região tão genericamente como foi descrito.
Muitas malocas utilizam-se das terras férteis de vazante dos rios
e lagos da região, além das várzeas baixas no verão e das bordas das
várzeas altas em parte do inverno. As bordas dos lagos existentes
na área também são utilizadas no verão, quando, com a descida do nível
das águas fica uma área com razoável quantidade de matéria orgânica
e umidade. Estas áreas são regionalmente denominadas de "igapó"
(Contão).
- A
maior parte das "trilhas" existentes na região são feitas
pelo gado que vai ter uma alta mobilidade à procura de água e pastos
no verão. Algumas poucas destas trilhas são utilizadas como caminho
pelos indígenas.
- Se
tomarmos o raciocínio do parecer da FUNAI de que deve ter uma distância
mínima entre duas malocas entre 10 a 30 km visando a preservação dos
recursos naturais, teremos para 85 aldeias, com um crescimento de
4% ao ano transformarem-se em 170 aldeias no ano 2.000, adotando-se
uma distância mínima de 30 km entre cada uma teremos 225 km2/aldeia
X 170 = 38.250 km2 ou seja 3.800.250 ha, mais que o dobro
da área atualmente pretendida. Com a criação de gado, utilizando-se
a estimativa de capacidade de suporte na área de 6 a 10 hectares por
cabeça de gado, adotando-se o valor estimado pela CIR que as comunidades
indígenas na área possuem cerca de 22.000 cabeças, vamos ter uma demanda
atual de área física que varia de 132.000 ha a 220.000 ha ou a necessidade
variando de 7,8% a 13% da área total pretendida.
- Tomando
a informação da CIR (Waldir Tobias - 1.993) da existência de 22.000
cabeças de gado nas 85 malocas e uma população de 10.097 índios (laudo
FUNAI) vamos ter uma média de 250 cabeças de gado por maloca. O laudo
FUNAI coloca o argumento de que existe um pequeno rebanho para suplementação
alimentar no período de escassez de caça, o que não é verdade.
- O
laudo da FUNAI não coloca em nenhum momento a atividade garimpeira
mecanizada dos indígenas da área do Quinô (Cajú, Serra Verde) que
tem anuência por escrito da própria FUNAI. A atividade da maloca Maturuca
no garimpo também foi omitida, inclusive através de empresa de mineração
denominada Macuxi da Serra.
- Não
foi citado no laudo da FUNAI a produção agrícola das malocas indígenas
que produzem farinha de mandioca, feijão e milho em quantidades excedentes
que são vendidas em Normandia, vilas da área e até em Boa Vista.
- O
Parque Nacional do Monte Roraima por Decreto Federal e de responsabilidade
do IBAMA foi omitido e englobado na área pretendida pela FUNAI.
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