A PET 3.388/RR da PGR, no que diz respeito à Segurança e à Defesa Nacional, afirma:
“A preocupação que vem sendo externada por comandante militar não parece, com as vênias devidas, procedente...
A concepção do Projeto Calha Norte, para a defesa das fronteiras nacionais, é de ocupação humana. Se a demarcação de áreas indígenas é vista como ameaça às nossas fronteiras, das duas, uma: ou se recusa aos índios a condição de humanos, ou se os tem por incapazes para os fins daquele projeto, conclusões, no mínimo, inadequadas”.
O Ministro Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, por meio do Aviso nº 03157/SC-2/EMFA (fls. 266-267; Proc. 266 e 267; Proc. FUNAI BSB 889/93) foi claro, ao declarar ser,
“após acurada análise, ... de parecer totalmente contrário à demarcação da denominada área indígena RAPOSA/SERRA DO SOL, pelos seguintes motivos:
a. A faixa de fronteira é uma região especial para o País. As pessoas que lá vivem devem estar conscientizadas das peculiaridades da área e de que devem estar prontas para participar e ajudar, no que lhe for possível, na garantia da Segurança e Defesa Nacionais...
É, pois do interesse da Segurança e Defesa Nacionais que a faixa de fronteira seja habitada por cidadãos no pleno exercício de sua cidadania.
b. No cenário internacional atual estão sendo apresentadas novas tendentes a modificar o entendimento jurídico basilar, que rege a condução das relações internacionais. Essas teses advogam a “soberania limitada” ou “restrita”, o “dever de ingerência” de um estado noutro, a ajuda “humanitária” a minorias, mesmo sem o consentimento do país hospedeiro dessa minoria. Assim, a existência de comunidades indígenas na faixa de fronteira, com populações ainda não integradas à comunhão nacional, poderá ser, em futuro próximo, um convite para criação de enclaves ou zonas de exclusão por conta de pressões internacionais. Nesse caso, se houver confronto armado, é importante registrar-se que as próprias populações indígenas serão as mais prejudicadas.
c. A Organização das Nações Unidas (ONU) tornou público... “A Declaração do Direito dos Povos Indígenas” Três aspectos...merecem especial atenção:
d. A decisão de conceder áreas exageradas, ricas em minerais e de difícil controle, ocupadas por minorias pouco expressivas da população brasileira, para estudos antropológicos de indígenas, pode levar a pressões internacionais insuportáveis, se propalada uma pretensa impossibilidade de fiscalização, controle e proteção da área”.
e. No caso específico da área RAPOSA/SERRA DO SOL, não podemos esquecer a pretensão da Venezuela de estender sua fronteira até o rio Essequibo em território guianense...”
A PGR, com aparente convicção, acrescenta:
“A constituição dos povos indígenas como nação, a seu turno, não conta com base empírica ou legal mínima. Além de não se ter notícia de movimento concreto nesse sentido, é preciso lembrar que o campo de ação das populações indígenas, o de todas e sem exceção, encontra fronteiras no seu estado de comunidade dependente – não cultural mas politicamente -, sujeita à proteção do governo federal e, por isso, a ele subordinada. É o governo federal que descreve os padrões de organização dessa minoria, dentro de toda a singularidade de regime que demandam, não encontrando eco nas previsões constitucionais a auto-determinação temida. O território reconhecido como indígena, em sendo bem da União, consoante previsão expressa do art. 20, XI, da Constituição, não deixa de fazer parte do território nacional e o Estado brasileiro não perde a capacidade de atuação, por meio dos órgãos competentes, no interior da área indígena.
De outro lado, em havendo comando normativo garantindo a plena atuação das autoridades responsáveis pela segurança nacional na área objeto de demarcação, e verificada, mais, a inexistência de óbice legal expresso à demarcação de terra indígena em faixa de fronteira, não há justificativa razoável para a oitiva do Conselho de Defesa Nacional”.
A PGR vale-se do Decreto 4.412/02, em seu artigo 1º, para tranqüilizar as autoridades brasileiras quanto às questões de segurança e defesa nacional em terras indígenas:
“Art. 1º. No exercício das atribuições constitucionais e legais das Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras tradicionalmente ocupadas por indígenas estão compreendidas:
I – a liberdade de trânsito e acesso, por via aquática, aérea ou terrestre, de militares e policiais para a realização de deslocamentos, estacionamentos, patrulhamento, policiamento e demais operações ou atividades relacionadas à segurança e integridade do território nacional, à garantia da lei e da ordem e à segurança pública;
II - a instalação e manutenção de unidades militares e policiais, de equipamentos para fiscalização e apoio à navegação aérea e marítima, bem como das vias de acesso e demais medidas de infra-estrutura e logística
necessárias;
III - a implantação de programas e projetos de controle e proteção da fronteira”.
Há que se considerar que a Resolução n° 61/295 da Assembléia Geral das Nações Unidas, aprovando a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas – DDPI-ONU, em 13 de setembro de 2007, com voto favorável do Brasil, veio a confirmar a preocupação do EMFA, exposta no item c, acima citada.
A DDPI prevê que os povos indígenas têm o direito:
“Artigo 3°: … de auto-determinação...
Artigo 4°: … à autonomia ou ao auto-governo...
Artigo 5°: … a manter e fortalecer suas instituições distintas em termos políticos, legais, econômicos, sociais e culturais...
Artigo 6°: ... a uma nacionalidade...
Artigo 9: … de pertencer a uma comunidade ou nação indígena...
Artigo 14: … de estabelecer e controlar seus sistemas educacionais e instituições responsáveis pela educação em suas próprias línguas, de uma maneira apropriada a seus métodos de ensino-aprendizagem...
Artigo 19: Os Estados devem consultar e cooperar em boa fé com os povos indígenas por meio de suas próprias instituições representativas para obter seu prévio, livre e informado consentimento antes de adotar e implementar medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-los.
Artigo 20: ... de manter e desenvolver seus sistemas ou instituições políticas, econômicas e sociais...
Artigo 30:
Óbvio que os artigos 3º-6º, 9, 19 e 20 da DDPI da ONU anulam completamente a afirmação da PGR de que “é o governo federal que descreve os padrões de organização dessa minoria, dentro de toda a singularidade de regime que demandam, não encontrando eco nas previsões constitucionais a auto-determinação temida”. O Decreto 4.412/2002, como se depreende, deve tornar-se “letra morta” em face do artigo 30 da DDPI-ONU.
Os primeiros sinais dos reflexos da DDPI-ONU já são públicos: 1. duas altas patente militares e integrantes do Congresso Nacional foram recentemente impedidos de ingressarem em área indígena do Estado de Roraima; 2. o Comandante da Guarnição Militar Federal, um senador da República e dois Deputados Federais foram impedidos de acompanhar o Ministro Extraordinário de Assuntos Estratégicos em sua visita a área indígena; e 3. Em passado recente, houve grande dificuldade para o Exército Brasileiro estabelecer um Pelotão Especial de Fronteira no Município de Uiramutã, motivada pela resistência coordenada pelo CIR.
Lideranças do CIR têm afirmado que jamais colocaram empecilhos à presença do Exército em Uiramutã, o que não representa a verdade histórica.
Os fatos apresentados e comprovados, para a PGR, não representam “base empírica ou legal mínima” para “a constituição dos povos indígenas como nação”. Para a PGR, “o risco de abalo à soberania nacional...,se presente, haverá de ser eliminado... sem sacrifício do direito dos povos indígenas”, seja lá o que isto signifique para a soberania...