Laudo Pericial

 

 

3.1 Cenário 1:  Demarcação Igual à Portaria 820/96

Para um país que almeja um posto permanente no Conselho de Segurança da ONU e liderar parte dos paises latino-americanos nas negociações da ALCA, o Brasil deve manter uma imagem de um Estado comprometido com a defesa dos direitos humanos.

Menos complicado é salvaguardar os direitos das populações indígenas do que controlar o tráfico de drogas, armas e prostitutas nas grandes cidades e nas suas imensas fronteiras. Além do mais países como Bolívia, Equador, Peru e Guatemala, possuem a maioria de suas populações compostas por indígenas.
Na Europa ocidental os indígenas são venerados como exemplo do bom selvagem, ecologicamente corretos, ou no caso das populações católicas como uma forma de remissão das barbáries cometidas pelos colonizadores em nome da Cruz. Estas populações são os principais fornecedores dos recursos para a manutenção das ONGs e das entidades religiosas que atuam diretamente junto aos índios. E os seus governos fornecem uma parte dos recursos do G-7 que são utilizados pelo governo brasileiro em programas ambientais e sociais na Amazônia. É forte a atuação política destes grupos na mídia e nos parlamentos o que pode representar para o Brasil um apoio popular necessário na hora de adquirir mais fundos ou negociar empréstimos oficiais em melhores condições.
                       
                        As relações com os Estados Unidos atualmente estão concentradas na área econômica, como políticas comerciais e financeiras. Entretanto, é conhecida a ação dos grupos de pressão junto aos congressistas e estes, como em nenhum outro sistema político presidencialista no mundo, possuem grande influência no executivo e em sua política externa.  Alguns senadores apóiam as causas indígenas inclusive tendo solicitado ao governo brasileiro a demarcação continua da Área Raposa Serra do Sol (anexo 03).

            Com o apoio do Congresso o governo americano poderá alocar recursos públicos diretamente para atender projetos de viabilidade e sustentabilidade dessas populações, sem apoiar diretamente a organizações políticas separatistas, devido ao o peso político do Brasil. Para o governo americano esta região no momento não desperta grandes interesses. Ela poderá ter uma maior importância estratégica com os possíveis desdobramentos dos conflitos na Colômbia e a provável transferência para zonas fronteiriças de bases de narcotraficantes.

Os vizinhos Guyana e Venezuela compartem com o Brasil fronteiras homogenias em relação à ocupação humana e aos estágios de desenvolvimento econômico. É pouco provável o apoio desses países a movimentos separatistas indígenas localizados em território brasileiro. Primeiro que eles poderão ser  prejudicados pelo grau de parentesco existente entre as várias etnias, segundo pelo abandono de suas zonas fronteiriças muito parecidas com o lado brasileiro e terceiro pelas diferenças existentes entre os três Estados, sem dúvida uma grande vantagem para o Brasil.   O único fato agravante é a situação de litígio territorial em torno da margem esquerda do Rio Essequibo. Esta pendência colonial, aparentemente solucionada pelo Laudo Arbitral de Paris de 1899, favorável ao Reino Unido, foi ressuscitada pela Venezuela em 1962. Parte desta reivindicação foi provocada pela proximidade da declaração da independência da Guyana (1966) e pela política americana de conter o avanço da influência cubana no continente. Durante esta década ocorreram vários atritos fronteiriços sendo a mais grave a Revolta do Rupununi, desde então ambos os países optaram pela via diplomática. Pela atual situação econômica de ambos acreditamos que a disputa estará congelada por alguns anos. A hipótese de uma solução armada necessariamente partirá da Venezuela e terá que atravessar a região da Raposa Serra do Sol por ser a única via terrestre para o deslocamento de tropas. O que poderá ser facilitado no caso de arregimentação da população local. Entretanto os laços de parentesco são maiores com a população guianense.

3.2 Cenário para Áreas Descontinuas.

São várias as possíveis configurações para a demarcação diferente da proposta da Portaria 820/98. Entretanto - no aspecto internacional - o fato central será o não cumprimento do decreto e todas as conseqüências para a imagem internacional do Brasil.  Hoje para amplos setores sociais dos países centrais o apoio político à causa indígena substituiu os movimentos pacifistas e complementa as bandeiras ambientalistas. Também devemos destacar a reação que poderá ser implantada pela Igreja Católica nos muitos países onde atua. A principal repercussão pode ser a pressão diplomática para uma revisão das dimensões da área junto ao governo brasileiro. Uma vez mantida a posição brasileira organizações e até mesmo governos poderão argüir esta decisão nas cortes internacionais.

Vale recordar que durante o governo do Presidente Carter os Estados Unidos institucionalizaram uma marcante política em defesa dos direitos humanos, inclusive exercendo fortes pressões sobre o Brasil. Entretanto é bom lembrar que a política externa americana é marcada por utilizar vários pesos e medidas. Nas negociações para a ALCA qualquer argumento poderá ser apresentado como meio de coerção. Uma intervenção direta americana é muito pouco provável a não ser para coibir uma ação armada como a ocupação do Rupununi por parte da Venezuela. Não descartamos missões policiais de repressão ao narcotráfico, cenário comum para as duas possibilidades.

No âmbito dos países vizinhos a maior presença estatal poderá ser traduzida como um retorno do mito do imperialismo brasileiro. Este mito foi difundido primeiramente durante o regime militar quando houve um alinhamento automático dos interesses brasileiros e americanos. Ressurgido com o Programa Calha Norte poderá causar receios com a intensificação de programas para o desenvolvimento acompanhados pelo incremento populacional. O maior temor é o transbordamento de atividades econômicas ilegais para os territórios vizinhos como foram as invasões de garimpeiros ao território venezuelano. A presença das Forças Armadas poderá impedir estes problemas, entretanto, poderá aumentar a desconfiança internacional em relação ao Estado Brasileiro e às suas pretensões de líder regional. Assim, ficará mais difícil a atuação brasileira como mediador para a resolução do problema territorial entre a Guyana e a Venezuela.   

3.3 Cenário Alternativo

Após ser analisado todo o Processo 1 999.42.00.000014.7, bem como a extensa documentação que gerou a Portaria nº 820/98, a Comissão de Peritos responsável por este laudo, de comum acordo, dentro da imparcialidade necessária para tal mister, após sistematização de um volume expressivo de informações que se encontravam dispersas  elaborou, a título de colaboração,  um cenário possível para o Norte/Nordeste de Roraima. Esse cenário proposto está baseado em situações técnicas, jurídicas e administrativas que ocorreram e ocorrem na Área Indígena Raposa Serra do Sol, e procura contemplar todos os segmentos da complexa textura sócio-econômica e étnica da região.

Deve-se respeitar os direitos indígenas, reinvidicações da sociedade envolvente e, principalmente, os diplomas legais propostos nos últimos anos para aquela área.

A proposta deste cenário aproveita e valoriza grande quantidade de ações demarcatórias territoriais realizadas naquela área, inclusive com seus laudos antropológicos e sócio-econômicos. Destacam-se: Parque Nacional do Monte Roraima, com seu Plano de Manejo; Áreas Indígenas Ingarikó, Raposa, Surumu, Xununu-e-etamú e Maturuca-Serra do Sol; perímetros de expansão urbana das sedes dos municípios de Uiramutã, Normandia e Pacaraima; traçados das rodovias Estaduais e Federal que cortam a área; perímetro do quartel de Uiramutã; e finalizando, traçado das linhas de transmissão de energia elétrica do programa de interiorização da energia de Guri.

Outras variáveis espaciais que poderiam ser consideradas para se concluir o mosaico de uso do solo na área seriam as propriedades rurais com título definitivo e também a faixa de amortecimento da linha de fronteiras internacionais.

Metodologicamente a proposta apresentada procura descrever individualmente cada evento ou situação que gerou territorialidade, além de sua representação cartográfica na área de acordo com os momentos analisados.

Primeiro Momento :

A partir do início de 1977, a FUNAI passou a se preocupar com a situação nas terras indígenas no Norte-Nordeste de Roraima, que depois de identificadas, receberam o nome de Área Indígena Raposa Serra do Sol.    Diversas reuniões foram realizadas com as comunidades indígenas da área que chegaram a resultados bastante diversos entre si, principalmente quanto ao tipo de demarcação, das quais podem ser destacadas:

    1. – Reunião da Raposa – 07/março/1977  Nesta reunião com os tuxauas no Posto Indígena da Raposa, com a presença do Delegado da 10ª DR, onde foram reivindicadas grandes áreas, o que na época foi esclarecido pelo delegado da FUNAI que uma área desmesurada seria indeferida.
    2. – A FUNAI em 21/10/1977, através da Portaria nº 550/P compõe um Grupo de Trabalho para identificar/delimitar áreas indígenas em Roraima, incluindo a da Raposa Serra do Sol.  A área única apresentada pelo GT chegou num total de 1.347.810 hectares.
    3. – O Delegado da 10ª DR, em 1982 propôs à Presidência da FUNAI a criação de uma Colônia Agrícola Indígena (fls. 84; Proc. FUNAI/BSB – Informação nº 090/DID/DGPI/83).
    4. – Criação pela FUNAI em 1984, de novo Grupo de Trabalho para identificar Área Indígena Raposa Serra do Sol, através das Portarias: 1845/E de 25/5/84; 1661/E de 06/7/84 e 1777/E de 04/10/84.     Este GT desmembrou a área em 4 (quatro) blocos ou regiões para a realização dos estudos demarcatórios, quais sejam:

Xununu-e-etamu...........................................................................   53.510 ha                                                                                      Surumu..........................................................................................   455.610 ha Raposa..........................................................................................    347.040 ha  Maturuca-Serra do Sol.................................................................    721.680 ha Total  .............................................................................................     1.577.850 ha
 
A técnica da FUNAI responsável pela definição dos limites destas quatro áreas foi a antropóloga Maria Guiomar de Melo.   As ilustrações 1 a 4 mostram a localização dessas regiões identificadas, e a ilustração 5 mostra o resultado cartográfico da união, gerando duas grandes áreas livres da demarcação: localizadas uma no baixo Rio Surumu e parte do baixo Rio Tacutu  e outra em parte do baixo Rio Tacutu próxima à foz do Rio Maú. Além disto foi retirada do processo de demarcação a área correspondente ao polígono da expansão da área urbana do Município de Normandia.
   

 

Ilustração 1 – ÁREA INDÍGENA SURUMU

 

Ilustração 2 – ÁREA INDÍGENA MATURUCA – SERRA DO SOL

 

Ilustração 3 – ÁREA INDÍGENA RAPOSA

 

Ilustração 4 – ÁREA INDÍGENA XUNUNU-E-ETAMÚ

 


Ilustração 5 – ÁREAS IDENTIFICADAS PELO GT / FUNAI - 1984
 

 

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