Laudo Pericial

 

2. Metodologia de Trabalhos

Conforme orientação do Juiz Federal, a Comissão de peritos por ele designada elaborou este parecer único visando a responder aos quesitos formulados.  No caso de divergências entre as posições dos peritos, as peças individuais não alinhadas com o parecer coletivo são apresentadas em anexo (Anexo 01).

Os trabalhos realizados constaram basicamente de:


 Antes de discutir o mérito das questões levantadas pelo advogado SILVINO LOPES DA SILVA e OUTROS, respondendo os quesitos das partes interessadas e do Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da 1° Vara da Seção Judiciária do Estado de Roraima, julgamos necessário tecer alguns comentários iniciais que servem de balizadores para um melhor entendimento cronológico e técnico institucional da atual situação analisada neste processo.

            Estas considerações iniciais são compostas de:

 

3.1 Antecedentes Legais e Administrativos

1917- Lei estadual n.º 941, de 16.10.17, autoriza o Governador do Estado do Amazonas a:
“conceder, como posses immemoriaes....
              Ficam reservadas...:
a) para ... dos índios Macuxis e Jaricunas ... a região compreendida entre os rios Surumu e Cotingo, e as serras Mairary e Canapiáepim, no município de Boa Vista do Rio Branco;
(...)”.
 
A delimitação foi realizada pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1919, e, no ano de 1922, essa lei foi alterada. 

1919 - Realização da medição e demarcação da posse indígena pelo “ajudante da Inspectoria do Serviço de Proteção aos Índios do Estado do Amazonas e Território do Acre”, Dagoberto de Castro e Silva.
“Remettido o processo para obtenção do competente título de concessão, o Desembargador Cesar do Rego Monteiro, então Governador, entendeu de annullal-o ...” (in Relatório da Inspectoria do SPI, de 02.03.1925).

1922 - Edição de Lei estadual alterando a Lei n.º 941, que modificou o regime para:
“...         
Art. 2º - O Governador do Estado concederá às famílias ou tribus indígenas a área de terras, que a seu critério julgar conveniente para domicílio e aproveitamento dessas famílias ou tribus, conforme o destino agrícola ou pastoril que fôr dado a essas terras.
Parágrafo Único - Desta concessão serão excluídas as terras que já tenham sido concedidas pelo Estado, e as que já estiverem occupadas e cultivadas por qualquer pessoa, com residência habitual e cultura effectiva.
Art. 3º - Os interessados pela concessão dessas terras promoverão perante o executivo do Estado o respectivo processo, que obedecerá ao que fôr determinado no Regulamento da Repartição de Terras do Estado...”.
           
1925 - Relatório Anual da Inspetoria do SPI no Estado do Amazonas e Território do Acre:

“(...)
(...)  terras do Surumu (...)
(...) esta Inspectoria enviou ultimamente um recurso ao Snr. Interventor Federal, não só expondo minuciosamente todos os factos como pedindo reconsideração do despacho que havia annulado a demarcação por ella feita em 1919. ... o Snr. Interventor acaba de despachar o respectivo processo, ... , dando approvação aos trabalhos de medição e demarcação e mandando expedir o título de concessão aos selvícolas, de accordo com a citada Lei nº 941
(...)”

 

1927 - General Rondon, em inspeção a Roraima, visita a área delimitada e vivifica seus limites através de marcos. Na maloca do Limão na foz do Rio Cotingo com o Rio Surumu existe ainda marco com placa alusiva à demarcação daquela área indígena.
           
1971 - É realizada a primeira assembléia de Tuxauas, na missão Surumu, representando o início da pretensão da Área Indígena naquela região.

1975 – Pela Portaria 77/P, de 04.02.75, a FUNAI constituiu um Grupo de Trabalho para definição de Terras Indígenas em Roraima, a qual não concluiu seus trabalhos.

1977 – A origem do Processo FUNAI nº 3233/77 (cinco volumes, com um total de 2.019 fls.) que solicita criação da área Indígena Raposa/Serra do Sol e que deu origem ao Processo FUNAI nº 0889/93 (três volumes, com um total de 825 fls.) que solicita expedição de portaria demarcatória da Área Indígena Raposa/Serra do Sol, foi uma proposta de vários tuxauas (os tuxauas das malocas Raposa, Napoleão, Guariba, Xumina (Canavial), Aratanha e Cajueirinho) de demarcação das seguintes Terras Indígenas (fls. 003-008; Proc. FUNAI BSB 3233/77) com um total de 578.918 ha:
                        Raposa ®     Caracaranã:                                                            342.795 ha
                                               Normandia:                                                 230.755 ha
                        Santa Cruzada (Sa.Cruz),Amália, Gibóia e Maia:           5.368 ha.
                                               TOTAL............................................. 578.918 ha.

Esse pleito foi considerado pela FUNAI como “área ideal para todas (as malocas)...” (grifo nosso), visto que
“... a área escolhida possui lavrado, matas, igarapés, lagos (peixe), palha (buriti) e caça dentro da mesma, várias fazendas (posses) sem título definitivo...Possuem também gado, cavalos, ovelhas, cabras, que justificam a necessidade do lavrado para criação dos mesmos” (fls. 001; Proc. FUNAI BSB 3233/77).

A partir dessa solicitação, de 1977 a 1992, foram constituídos vários (sete) grupos de trabalho (Portaria GM 111, de 14.03.77; Portaria nº 550/P, de 21.10.77; Portaria nº 509 de 09.01.79; Portaria nº 1.845 de 29.05.84; Portaria nº 171/MI, de 29.05.86; Portaria PP nº 0347, de 25.03.88; e Portaria nº 1.141, de 06.08.92), concluindo por diferentes áreas com dimensões variadas, que deveriam ser demarcadas.
Essas conclusões da FUNAI foram sempre acompanhadas por pareceres antropológicos, os mais diversos.

 

- Em 16.03.77, o então Diretor Substituto do Departamento Geral de Operações, ao encaminhar a carta dos tuxauas ao Presidente da FUNAI, complementa:
“... informo que as numerosas aldeias espalhadas por todo o território de Roraima desaconselham a nosso ver, a criação de reservas indígenas que as englobem, pois seria assim abarcada quase toda a superfície daquela Unidade Federada.
Enquanto isso ocorre, as terras indígenas já devidamente demarcadas, da imensa Fazenda São Marcos, estão praticamente vazias, salvo nos pequenos aglomeramentos Macuxis da Fazenda e do PI Vista Alegre
Nosso parecer é que conviria melhor construir casas, roças e dar razões de atração nas terras de S. Marcos, para que os índios voluntariamente viessem, aos poucos, para dentro de seus limites” (fls. 05; Proc. FUNAI BSB 3233/77).
Essas sugestões foram contestadas pela antropóloga Ana Maria da Paixão ao afirmar que a “... Equipe IV... trouxe as reivindicações de área que coincidem com as agora apresentadas...” e que as áreas estabelecidas:
“...devem ser acatadas e demarcadas, pois foram escolhidas pelos líderes tribais, que possuem o conhecimento secular da mesma, melhor do que qualquer técnico com embasamento teórico-prático. E, mais ainda, levando-se em consideração que estas delimitações já foram acatadas pelo INCRA, excluindo-as da discriminatória do Projeto Fundiário;... não aceitamos a transferência dessas “malocas” para a área da Fazenda São Marcos, principalmente, porque isto significaria abandono de seu “habitat” tradicional, onde eles conhecem a terra. Não adiantaria qualquer decisão nesse sentido, pois aquelas comunidades se recusariam a abandonar suas terras tradicionais... No caso, as terras foram delimitadas acertadamente pela própria comunidade, cabendo apenas ao Órgão, oficializá-la” (fls. 015 e 016; Proc. FUNAI BSB 3233/77).

Em 21.10.77, a FUNAI, por meio da Portaria nº 55O/P, compõe um grupo técnico para identificar/delimitar as áreas indígenas em Roraima, incluindo Raposa/Serra do Sol.  Como resultado, esta última apresentou uma superfície de 1.3473810 ha, com perímetro de 750 km, área única englobando aproximadamente 60 malocas Macuxi, Wapixana e Ingarikó, totalizando 8.500 índios.

1978 – O Relatório Preliminar, datado de 09.03.78, assinado pela Antropóloga Isa Maria Pacheco Rogedo, refere-se a levantamento feito nas regiões do Rio Parimé, do Rio Amajari, do Rio Ereu e de São Marcos. Do Relatório da Antropóloga Isa não consta o desenvolvimento do ítem 11, sobre os “Limites propostos” (fls. 49; Proc. FUNAI BSB 3233/77, final; possivelmente suprimidas), mas o “Demonstrativo das Populações...” (fls.52; Proc. FUNAI BSB 3233/77) refere-se à A.I. Raposa/Serra do Sol com 1.332.110ha.   
Dos 578.918 ha. inicialmente solicitados, a FUNAI encontra argumentos para aumentar essa área pretendida para 1. 332.110 ha, com base nas visitas de campo, em abaixo assinados da população indígena e nos levantamentos antropológicos realizados.  

1979 – A Portaria nº 509/E da FUNAI, de 09.01.79,constituiu sub-grupo de trabalho com o objetivo de proceder o fechamento dos limites descritivos das áreas indígenas já levantadas, porém de forma incompleta. Os trabalhos parciais concluíram pela área de 1.347.810 ha, um pouco maior do que a anterior (fls. 060; Proc. FUNAI BSB 3233/77).

1982 - O Delegado da 10ª DR da Funai, Dinarte Nobre de Madeiro, propõe (Memo nº 259/DEL/10ª DR/82) ao Presidente da Funai, a realização de estudos visando à transformação da Área Indígena Raposa Serra do Sol em uma Colônia Agrícola, com a seguinte argumentação:
“... Considerando a existência de processo no DGPI quanto à identificação da Área Raposa e Serra do Sol, com 1.347.810 ha. ... e a existência de número igual de posses...
Pela situação da Área identificada Raposa/Serra do Sol, qualquer estudo no sentido de separar áreas de malocas de áreas de posses não chegará a uma definição satisfatória para ambas as partes...” (fls. 084; Proc. FUNAI BSB 3233/77).

 

Voltar ao sumário | Voltar ao topo